Caldeirão do Inferno

Por Cesar Campiani Maximiano

Equipe: Robson da Silva Santos

 

Nas primeiras décadas do século XXI, uma corrente de analistas militares passou a difundir a idéia de que a guerra começara a se tornar complexa. As Forças Armadas das potências mundiais atingiram um grau de sofisticação tecnológica entendido como uma “Revolução nos Assuntos Militares”, e, para uma das vertentes dos Estudos Estratégicos, o “controle total do espaço de batalha” seria capaz de dissipar a “névoa da guerra”. Assim, essa complexidade não seria detectada exatamente no grau de dificuldade das operações, mas embutida no contexto político que traria responsabilidades sem precedentes para o espectro dos conflitos. O combatente se veria envolvido em “operações de não-guerra”, com rígidas atribuições sobre a imensa quantidade de civis convivendo no ambiente onde precisará operar, incluindo patrimônio cultural e recursos naturais. Neste cenário, o inimigo seria encontrado “no meio do povo”, sem características claras que o distinguiriam dos não-combatentes, imerso em peculiaridades de sua própria sociedade, de preferência desconhecida do militar invariavelmente oriundo de uma nação Ocidental, de quem agora são exigidas qualidades de etnógrafo para que possa interpretar e atuar nas novas condições operacionais.

Um olhar de maior amplitude sobre a História Militar permite perceber que a guerra sempre teve a complexidade como uma de suas qualidades intrínsecas. Guerras diferentes têm características diferentes, que são expressas em condições complexas em permanente contraste com os conflitos anteriores e futuros. A necessidade de mudança e adaptação é uma constante na história de qualquer grande exército.

Os combates por Monte Castello foram operações extremamente complexas. Essa afirmação pode ser averiguada por vários enfoques diferentes, não necessariamente limitados aos grandes contratempos implicados na organização deficitária da Força Expedicionária Brasileira. Arrebatar Monte Castello – e outras elevações – do inimigo teria sido complexo para qualquer força armada, como foi toda a Campanha da Itália, desde os desembarques na Sicília e em Salerno até a arrancada final sobre o vale do rio Pó na primavera de 1945. Outras divisões Aliadas que combateram na Itália também tiveram suas próprias versões de Monte Castello que, por razões diferentes, também apresentaram graus de complexidade.

No caso dos brasileiros, a falta de instrução da tropa e de flexibilidade de alguns comandantes certamente agravou o quadro que a FEB precisou enfrentar. Contudo, o ano de 1944 foi extremamente problemático para os Aliados na Europa, dada a extrema resiliência dos alemães que causaram baixas avassaladoras nas divisões que avançavam pela França e Bélgica após o desembarque na Normandia. Quem pagou a conta logística foi o Teatro de Operações da Itália, em si surgido de uma das mais complexas dificuldades políticas da guerra que consistira em acatar os recorrentes pedidos de abertura de uma segunda frente por parte de Josef Stalin. A garantia de abastecimento de homens, armamento e munições da frente italiana tornou-se seriamente comprometida com os seguidos desvios de meios e materiais para o noroeste da Europa. Esta é uma das razões pelas quais a FEB acabou lutando de fato no front, em vez de guarnecer a retaguarda dos exércitos Aliados.

Seria possível estender longamente o elenco de obstáculos estratégicos e logísticos que condicionavam o esforço Aliado na Itália, mas uma característica primordial daquela campanha deve ser sempre mantida em primeiro plano para quem se debruçar sobre o assunto: o contexto tático encontrado pelos brasileiros no outono e inverno de 1944 foi certamente um dos mais complexos de toda a guerra. As baixas por acidentes, ação do inimigo e doenças eram contadas na casa das centenas por dia. Os agravantes que determinavam a complexidade de Monte Castello para a FEB podem ser entendidos por diversas maneiras.

Especial atenção deve ser dada para a grande unidade que os brasileiros enfrentaram durante a maior parte do tempo que passaram tentando escalar as encostas e barrancos do monte. Isso o comando da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária fez, de forma sistemática e minuciosa, como indica a documentação dos órgãos de Informação sob o comando brasileiro. Com exceção da capacidade de precisar a localização de todas as fortificações inimigas no terreno, os oficiais encarregados de atacar Monte Castello tinham uma idéia bastante clara do inimigo que enfrentavam. A presunção de que os oficiais expedicionários descuraram de uma das mais básicas tarefas da guerra, a de estudar o inimigo, é tão descabida que jamais passaria pelo conselho editorial de qualquer uma das revistas populares de história militar. No Brasil, não somente foi amplamente divulgada, como também foi republicada décadas depois, sem a mais básica retificação. Meia hora de trabalho no Arquivo Histórico do Exército teria dado cabo do assunto. Com a documentação analisada, será possível prover um quadro claro do que o comando da FEB sabia sobre os defensores de Monte Castello no momento em que combatiam pela elevação, sem suposições elucubradas décadas depois.

Que as narrativas brasileiras tenham dado ênfase aos objetivos militares que lhes foram empenhados em detrimento da situação mais ampla é absolutamente compreensível. Poucos livros de autoria de expedicionários tiveram o propósito de expandir seu enfoque para além do contexto da própria divisão brasileira, característica comum à literatura de memória de veteranos de diversas nacionalidades. Embora alguns combates e o desempenho de subunidades (como batalhões e companhias – respectivamente 900 e 200 homens) e frações de tropa (como pelotões e grupos de combate, com 43 e doze homens respectivamente) sejam tratados detalhadamente, tais livros não abrangem explicações sobre as finalidades táticas do emprego da divisão brasileira nos combates. Em vez de serem acusados de suposto provincianismo, as obras trazem de fato um componente pessoal em suas páginas que muito enriquece e clarifica questões só superficialmente tratadas na documentação oficial e nos livros dos comandantes.

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