O que se escreveu sobre Monte Castello

Há clássicos produzidos por ex-combatentes. Um deles é O Brasil na II Guerra Mundial, publicado em 1960 pela Biblioteca do Exército. Seu autor, Manoel Thomaz Castello Branco, fornece uma boa narrativa do ponto de vista tático, sendo até hoje bastante empregada como material de trabalho nas escolas militares[1].

O General Walter Paes Menezes, durante a guerra capitão do Regimento Sampaio, é autor de uma valiosa narrativa que mescla análise ao examinar e detalhar o envolvimento do “Lenda Azul” – o III Batalhão do regimento – nos combates em torno do Castello[2]. É um dos mais importantes livros escritos sobre a FEB.

Narrativas pessoais de comandantes de pelotões engajados nos episódios de Monte Castello são difíceis de serem encontradas, pois ou foram publicadas em caráter limitado pelos próprios autores, ou já saíram do comércio há décadas. O trabalho do historiador e veterano da FEB Francisco Pinto Cabral apontou diversas incoerências existentes na documentação oficial e na versão do comando da FEB relativas ao combate do de 12 de dezembro de 1944[3]. Apresentada ao Departamento de História da USP como tese de doutorado e contendo contundentes críticas à condução das operações, a análise de Cabral é enfocada na atuação do II Batalhão do Regimento Sampaio. Embora curto, o texto de Cabral discutiu em primeira mão as contraditórias informações emanadas do comando a que se pode atribuir a responsabilidade por enviar a tropa diretamente ao campo de tiro das posições inimigas. Destaco também os livros de memória de Joaquim Urias de Carvalho Alencar e Agostinho José Rodrigues, dentre os muitos outros relatos de campanha da FEB fundamentais para quem deseja entender os ataques ao Monte Castello[4].

O presente trabalho utiliza a literatura já conhecida, procurando conjuga-la com a documentação oficial da FEB, entrevistas, a documentação alemã que foi possível reunir e estudos do terreno.

As visões isoladas das análises sobre os enfrentamentos constituíram um dos maiores problemas que os historiadores militares precisaram superar. A perspectiva do comando é imprescindível, mas limitar-se aos documentos como relatórios pós-combate pode resultar em uma versão fria e distanciada das dificuldades afrontadas pelos soldados no terreno. Os depoimentos dos veteranos aqui empregados não têm o propósito de “dar sabor” ao texto, mas de complementar as análises com o intuito de abranger o máximo possível de níveis mais elementares dos combates. Paralelamente, quando este livro começou a ser redigido, ainda estava por ser feita uma análise dos combates da FEB que explicasse o papel tático da unidade inserido no esforço maior do XV Grupo de Exércitos, assim como a função estratégica que este último cumpria no Mediterrâneo. Espero que, afinal, a missão dos brasileiros ao atacar Monte Castello seja apropriadamente dimensionada, assim como a importância de tais operações no contexto da campanha Aliada nos seis meses finais da guerra na península italiana.

Outro dos problemas historiográficos origina-se da tendência em examinar a campanha da Itália isolada dos demais teatros de operações e da intrincada conjuntura política envolvendo os Aliados, o General Pietro Badoglio e o governo do Rei Vittorio Emmanuele III por um lado, e, por outro, a República Social Italiana e suas relações com os alemães. Estes eram ao mesmo tempo tropa de ocupação e companheiros de luta dos soldados ainda fiéis a Mussolini. Em virtude do multifacetado cenário político e estratégico que demarcou as condições da campanha, a parcela da população da Itália que habitava áreas transformadas em campos de batalha foi exposta por anos à brutalidade e destruição do conflito. Nas cidades que a guerra transformou em retaguarda dos grandes exércitos, a degradação moral causada pela fome imprimiu conseqüências que levaram décadas para serem extirpadas da vida de famílias e indivíduos.

As naturais inclinações dos historiadores militares de se apegarem aos aspectos operacionais, dos interessados na guerrilha estudarem as ações de insurgência e dos cientistas políticos de entenderem a dinâmica da ocupação, todas isoladas entre si, acabaram ofuscando a forma como as constantes interações dessas várias facetas da campanha tornaram a guerra na Itália intricada e extremamente violenta.

Tais questões, portanto, não podem e não devem ser ignoradas neste trabalho cujo enfoque principal centra-se nas lutas pela posse das elevações que se estendem paralelas à Rota 64 no vale do Rio Reno. As atrocidades constantes cometidas mutuamente entre alemães e italianos expandiram-se em círculos concêntricos de ferocidade com implicações que aumentaram diretamente o grau de truculência dos combates na linha de frente.

[1] Castello Branco, M.T. O Brasil na II Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Bibliex, 1960.

[2] Paes, W.M. Lenda Azul. Rio de Janeiro: Bibliex, 1991.

[3] Cabral, F.P. Um Batalhão da FEB no Monte Castelo. FFLCH-USP, tese de doutorado, 1982. Também pulicado pela editora Thesaurus em 1987, em versão ligeiramente abreviada.

[4] Alencar, J.U.C. Com um Pelotão na FEB. João Pessoa: edição do autor, 1991; Rodrigues, A.J. Segundo Pelotão – 8ª Companhia. Rio de Janeiro: Editora das Américas, 1968.

 

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