A 232. Infanterie-Division na Itália

De início, o Regimento 1044 (Oberstleutnant Erich Winkelmann) ocupou-se da frente do Monte Cimone; o 232º Batalhão de Fuzileiros (Hauptmann Wilhelm Mass) instalou-se no Monte Cimone; o Regimento 1043 (Oberst Grosser) estabeleceu suas posições no setor do Monte Belvedere (que incluía o Monte Castello) e o Regimento 1045 (Oberst Kurt Stöckel, ganhador da Cruz Germânica em Ouro) defendia a área de Castel D’Aiano, que coincidia com as posições brasileiras de Africo, Torre di Nerone, Soprassasso, Boscaccio e Pietra Colora, situadas no setor leste da frente da 1ª DIE.

As avassaladoras baixas da Wehrmacht incorreram em uma diminuição abismal da quantidade de combatentes disponíveis para recompor divisões aniquiladas na frente oriental e constituir novas unidades. A 232ª Divisão de Infantaria “Drei Zack” (a Divisão Tridente) foi bastante afetada pela deficiência de efetivos, que já havia sido evidenciada pela reestruturação das divisões de infantaria “tipo 43”[1].

De acordo com a nova organização, os regimentos de granadeiros, que antes contavam com três batalhões, passaram a ter apenas dois, diminuição que se procurou compensar com a introdução de armas melhores e mais eficazes e com um batalhão adicional de fuzileiros, utilizado em situações de emergência em setores mais periclitantes. Nos anos finais da guerra, nem sempre era possível alocar às divisões recém criadas o armamento estabelecido nas tabelas de organização, mas ao menos, a 232ª DI não sofreu com este problema: a divisão foi equipada com armamento novo em folha, buscado nas fábricas por comandos especiais de homens[2].

Uma desvantagem elementar afetava o Exército Alemão de forma geral: o número de viaturas motorizadas previsto para as unidades de infantaria permaneceu baixo em comparação com a quantidade de caminhões de tração e transporte existentes nas forças aliadas, prejudicando a mobilidade, demandando cuidados com os cavalos utilizados para rebocar canhões e colunas de intendência e exigindo grandes esforços físicos dos soldados no manejo das peças de artilharia. Tal carência de viaturas na Wehrmacht não se originava da redução da capacidade industrial alemã causada pelos bombardeios Aliados, mas do mau planejamento pré-guerra: a excelência tática da Wehrmacht não foi equiparada por pensamento estratégico capaz de entender que o próximo conflito mundial demandaria um grau de utilização de veículos motorizados e combustível que a Alemanha simplesmente não tinha condições de sustentar[3]. Não pode ser ignorado o fato de que tais deficiências eram prejudiciais para os combates de movimento, e, na Itália, a guerra era tipificada por sua situação estacionária. A falta de mobilidade alemã não consistia fator tão grave para as divisões encarregadas de defender posições no alto de montanhas.

Em função de uma má interpretação a respeito da informação sobre a presença de “estrangeiros” na Wehrmacht, permaneceu no Brasil a controvérsia relativa às origens nacionais de muitos soldados “alemães” que combatiam desde os anos iniciais da guerra: a própria 232ª DI contava com um número de “estrangeiros” em suas fileiras, muitos dos quais eram Volksdeutsche, homens de etnia germânica que foram incorporados ou se ofereceram como voluntários depois que seus países foram ocupados. As listas de prisioneiros capturados pela FEB muitas vezes citam as nacionalidades polonesa e francesa (geralmente para soldados provenientes da Alsácia), mas os seus nomes são invariavelmente de origem germânica, ao menos para os homens servindo nas unidades de combate[4].

As companhias de serviços ligados à retaguarda das grandes unidades alemãs realmente continham cidadãos de outras etnias, geralmente voluntários na Wehrmacht que tentavam escapar da fome ou da ocupação soviética. As listas de prisioneiros capturados pela guerrilha italiana elencam russos, iugoslavos, poloneses e tchecos entre as várias nacionalidades servindo sob o uniforme alemão. Estes homens executavam serviços nas cozinhas e unidades de transporte, liberando os alemães natos e os combatentes de etnia alemã para servirem no front[5].

Junto a essas medidas, procedeu-se com a redução dos efetivos das seções administrativas e logísticas nas divisões alemãs. Medidas extremas foram tomadas, como a criação de batalhões especiais de homens com problemas gástricos, já que o preparo de ração para quem tinha limitações alimentares era um sério problema. Agrupar estes homens nas mesmas unidades facilitava as tarefas logísticas.[6]

Uma das medidas para tentar restituir o moral dos soldados alemães foi a retomada do termo “granadeiro”, de importantes conotações históricas, para designar os soldados regulares de infantaria. Os soldados de infantaria e artilharia que compunham a 232ª provinham de todas as regiões da Alemanha, e agora iriam combater na frente italiana colocando em prática a experiência de guerra na Rússia, compartilhada por 90% do efetivo da unidade[7]. Esses homens tinham passado uma média de 2,5 anos lutando na frente oriental. Em 20 de julho de 1944, a totalidade de 9.000 combatentes que perfazia a divisão completa foi finalmente alcançada com a chegada de um contingente de soldados jovens recém incorporados ao exército. Experientes e confiáveis, os veteranos da Rússia rapidamente ganharam a admiração dos 10% restantes de recrutas com idades entre os 18 ou 19 anos, que logo que se enquadraram entre os companheiros mais velhos[8].

Von Gablenz tinha perfeita noção da situação da Alemanha em 1944. Procurou incutir nos seus homens o sentimento de validade daquela etapa final da luta em condições difíceis, o que coincidiu, segundo as memórias do veterano Heinrich Boucsein, com a disposição que os soldados mais experimentados tinham para o combate. O general alemão estava consciente das restrições logísticas de sua unidade, e, para sua preparação, baseou-se no que dispunha de melhor: o material humano. Assim, von Gablenz privilegiou a instrução dos atiradores de escol e da ação de pequenas unidades[9].

As duas especialidades seriam primordiais para a guerra de montanha: como os veteranos da FEB testemunham, fossem em ataques ou no dia-a-dia das posições de linha de frente, os snipers alemães sempre se faziam ativos, caçando líderes e abatendo o soldado que por descuido expusesse o capacete acima do parapeito de sua trincheira. “Se quisessem, arrancavam a orelha de qualquer um, numa boa distância”, lembrou o soldado do Regimento Sampaio José Colomera, a respeito dos atiradores de escol alemães[10].

Os pequenos grupos de soldados da 232ª também tinham sido treinados para atuar de forma eficaz na manutenção das linhas fortificadas que seriam encarregados de defender, tanto no planejamento de planos de fogos cruzados, como nas ações ofensivas localizadas, desferidas para retomar terreno perdido para o inimigo[11]. A composição da divisão alemã que defendia o Monte Castello contava assim como homens experientes e treinados para as missões de defesa de linhas fortificadas, contrastando de forma contundente com a falta de treinamento para a guerra de montanha que caracterizava a FEB e várias outras unidades Aliadas. Essas vantagens táticas de que dispunham os alemães foram determinantes para o sucesso em repelir os ataques de fins de 1944.

Antes dos primeiros homens da 232ª Infanterie-Division chegarem a Gaggio Montano, os soldados alemães que ocupavam os morros acima da Rota 64 pertenciam à 94ª Divisão de Infantaria. Anteriormente, unidades da 42ª Divisão Jäger e da 65ª de Infantaria haviam passado pela região. A 94ª abandonou seu setor esquerdo do front com tanta pressa que entregou aos americanos as localidades de Abetaia e Bombiana – a última teria um papel importante nos ataques ao Monte Castello como base de partida do 11º Regimento de Infantaria. No dia 10 de outubro de 1944, o 1043. Grenadier-Regiment defendia a frente desde o Monte Belvedere até o vilarejo de Pietra Colora a oeste, que durante o inverno seria ponto de inúmeros choques de patrulhas brasileiras e alemãs[12].

O trabalho da Organização Todt não havia sido concluído, e o término dos abrigos e fortificações das elevações precisou ser arrematado pelos próprios soldados alemães. Quando o Monte Castello foi conquistado em fevereiro de 1945, uma cópia da planta dos abrigos de tropa foi capturada junto com um memorando endereçado à 1ª Cia. do 1044. Grenadier-Regiment, versando sobre a necessidade de construir abrigos que suportassem o rigor do frio que estava para chegar: “abrigos provisórios já estão prontos em sua maior parte. Agora temos de tratar de construir abrigos confortáveis porque o inverno está à porta. A fim de que haja um tipo uniforme de abrigos, anexo segue um desenho do plano principal e da madeira necessária para a construção dos mesmos. Também os soldados que ainda estão alojados em casas devem começar imediatamente a construção de abrigos, já que se pode contar com a possibilidade dessas casas serem destruídas a qualquer momento por ataques aéreos”[13].

Ao serem designadas para a Itália, as frações da 232ª Infanterie-Division queixavam-se da missão de defender um setor demasiadamente amplo sem efetivo completo e sofrendo falta de material. Na medida em que os escalões remanescentes chegavam de trem da Alemanha, em uma arriscada travessia pelo norte da Itália sujeita a repetidos ataques dos caças-bombardeiros americanos, a divisão do General Freiherr von Gablenz consolidou suas posições sobre as cristas a cavaleiro de Gaggio Montano, estando apta a proceder com a defesa de suas posições em uma situação tática extremamente vantajosa. Mas mesmo nas fases de relativa calmaria do front, os homens da 232ª ainda teriam que se haver com a incessante atividade da guerrilha, à qual eram extremamente vulneráveis os soldados responsáveis pela manutenção das linhas de comunicação e os destacamentos de abastecimento[14]. Constantemente fustigada pelas atividades da guerrilha italiana no setor de Abetone, a divisão sofria ataques concentrados contra seu flanco oeste, que era especialmente vulnerável.

[1] Buchner, A., The German Infantry Handbook 1939-1945.

[2] Boucsein, op. cit.

[3] Glantz, D.; House, J. Confronto de Titãs. São Paulo: C&R Editoria, 2009.

[4] Ficha de interrogatório de prisioneiro.

[5] “Elenco nominativo prigioneiri catturati dai partigiani”. A lista contém três franceses de origem alemã, 83 russos, três iugoslavos, um romeno, dois tchecos, um sudeto, 47 poloneses, 17 austríacos, 120 alemães e doze italianos.

[6] U.S. War Department, Handbook on German Military Forces. Baton Rouge: LSU press, 1990.

[7] Além dos “granadeiros”, os “caçadores”, “fuzileiros” e “caçadores de montanha”, entre outros, serviam como soldados de infantaria na Wehrmacht.

[8] Maximiano, 2010, op. cit.

[9] Além dos esparsos documentos em variados arquivos, há poucas fontes sobre a 232. Infanterie-Division que sobreviveram à guerra. Um relato fundamental sobre os combates da divisão foi publicado no Brasil: Heinrich Boucsein, op. cit..

[10] Citado em Pacheco, M. Odisséia e vitória da FEB. Bauru: Indústria Gráfica Marcel, 1983.

[11] Boucsein, op. cit.

[12] Idem.

[13] Tradução do documento alemão distribuída pelo S/2 do Regimento Sampaio, PC em Cá di Toschi, 26 de fevereiro de 1945.

[14] Boucsein, op. cit.

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