Os principais adversários da FEB: A 232. Infanterie-Division

Composta em junho de 1944 na 27ª onda (Welle) de organização do Exército Alemão, a 232ª Infanterie-Division foi direcionada à Itália em setembro de 1944, acompanhando as quatro divisões italianas da RSI treinadas na Alemanha. De 1939 até abril de 1945, o III Reich constituiu 35 ondas de formação de grandes unidades. Naturalmente, as progressivas alterações estruturais dessas divisões procuravam contornar os problemas de suprimento e efetivos. Naquele mês, a 232ª ID foi organizada junto com mais quatro grandes unidades. Todas foram originalmente criadas como “divisões estáticas” (Bodenständige) para tarefas de defesa na França e na Itália. Essa qualificação implicava que a unidade não tinha seus próprios meios de transporte nas unidades de infantaria, o que limitaria sua capacidade ofensiva: tais divisões receberiam primordialmente tarefas de defesa territorial, sendo capazes de desfechar ataques em áreas circunscritas[2]. As divisões estáticas foram formadas com efetivos normais, ao contrário das divisões de fortificações, as Festung Divisonen, estas últimas com numeração na casa 700 e compostas de homens com problemas físicos ou com idade avançada.

O conceito por trás das divisões estáticas originou-se de uma idéia datada de 1942 de Gerd von Rundstedt, de maneira que se pudesse dispor de núcleos de divisões que não estivessem sujeitas à transferência para a frente oriental, responsável por arrastar para o abismo da Rússia quantidades vultuosas de homens e material.

Mas antes de ser totalmente ativada e enviada ao front, a 232ª DI foi convertida em uma divisão de infantaria padrão, do tipo previsto de acordo com a organização das grandes unidades estabelecida em 1944: as novas divisões perderiam quantidades de homens, mas suas unidades seriam tornadas mais flexíveis e com o poder de fogo acrescido de várias armas.

O Estado-Maior divisionário da 232ª foi composto a partir da Schatten-Division Wildflecken, um tipo de unidade criado para compor a estrutura mínima da organização de futuras divisões a serem formadas.  Seu comandante era o Generalleutnant Eccard Freiherr von Gablenz, veterano da batalha de Stalingrado, de tradicional família de aristocratas militares prussianos.

Eccard Freiherr von Gablenz

O oficial alemão que deu tanto trabalho aos americanos e brasileiros nos combates pelos montes Belvedere e Castello provinha de uma aristocrática linhagem de Junkers.  Mas, do ponto de vista das leis raciais nazistas, a própria existência de von Gablenz no rol da alta oficialidade alemã implicava em uma incoerência: o general era o que durante o Terceiro Reich se chamava, de forma depreciativa, de Mischling: ele tinha um quarto de ancestralidade judaica. Essa origem racial que os nazistas consideravam uma mácula foi compensada pela profunda dedicação do general ao esforço de guerra alemão[3]. Não foi o único caso na família, pois Eccard tinha um irmão que era general da Luftwaffe.

Von Gablenz era veterano da Primeira Guerra Mundial, durante a qual foi condecorado com as Cruzes de Ferro de primeira e segunda classes.

A missão de liderar a 232ª D.I. não era novidade para von Gablenz quando assumiu seu último comando em 1944. Ele fazia parte do seleto grupo de oficiais veteranos da guerra de 14-18 que havia alcançado o generalato antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Comandante militar da cidade de Praga por um breve período antes da invasão da Polônia, von Gablenz esteve presente na primeira leva de assalto em setembro de 1939, comandando o Kampfgruppe Netze e chefiando a 32ª Divisão de Infantaria, embora tenha se queixado das acusações que o Tribunal de Nuremberg lhe imputou referentes ao preparo de uma guerra de agressão. Passando ao comando da 7ª Divisão de Infantaria, von Gablenz participou em 1940 na primeira onda dos ataques na frente ocidental, liderando suas tropas pelo norte da Holanda, Bélgica e França. Concentrando sua divisão na costa norte da França, envolveu-se na preparação da Operação Leão Marinho, a frustrada invasão da Grã-Bretanha pelo Canal da Mancha. Considerado um comandante de divisão competente, segundo os planos da Leão Marinho, von Gablenz e seus soldados estariam incluídos na primeira onda de invasão através do canal[4].

No ano seguinte, von Gablenz participou da invasão da Rússia ainda como comandante da 7ª Divisão de Infantaria, tendo combatido contra tropas siberianas no setor de Moscou. Fato interessante da composição desta divisão é que ela continha um regimento da Légion des Volontaires Français, integrado por colaboracionistas e membros dos partidos fascistas franceses que ao final da guerra se uniriam à Milice, a força paramilitar anti-guerrilha do governo de Vichy, para formar a divisão Charlemagne da Waffen-SS. Em 16 de dezembro de 1941, von Gablenz congratulou o historiador militar Coronel Roger Labonne, que dublava como comandante da LFV, por seus feitos “na luta contra o bolchevismo, por uma Europa nova e feliz”[5]. Ao contrário do que o próprio general pretendeu sustentar depois da guerra, ele não era desvinculado do nazismo nem um comandante de linha de frente sem suas próprias convicções ideológicas.

A carreira de von Gablenz parecia estar se direcionando ao alto comando. A 23 de dezembro de 1941, auge do inverno russo, o general foi elevado ao comando do XVII Corpo de Exército, do qual foi destituído no dia 13 janeiro de 1942, após ter contrariado ordens do Führer e concedido permissão de retirada a tropas isoladas na frente de combate. Deste ponto em diante, a confiança que o OKW depositava em von Gablenz começou a se dissipar, motivando recomendações para que o general não mais fosse indicado para altos comandos[6].

Depois de um período em um sanatório, von Gablenz dirigiu a organização de uma nova divisão, a 384ª de Infantaria, que comandou na investida alemã por Karkhov e a frente do rio Don em 1942. Atacando na direção de Stalingrado, von Gablenz esteve sitiado no bolsão da cidade até ser rapidamente evacuado por via aérea em dezembro, algumas semanas antes da catástrofe do VI Exército sob o comando do General Friedrich Paulus.

De janeiro a março de 1943, von Gablenz continuou comandando tropas da Força Tarefa 384ª (Kampfgruppe 384. Div.) em combate no setor do rio Don. Mas ao proferir publicamente uma avaliação pessimista da situação de sua unidade, foi rapidamente despachado para casa. Novo período de hospitalização, e novas indicações para comandos superiores foram suspensas por tempo indeterminado. Considerado insubordinado, o general estava fadado a se contentar com o comando em nível tático de divisões de infantaria, apesar de sua experiência ter sido reconhecida com a Cruz de Cavaleiro, que lhe foi conferida em 1940 pela participação na campanha da França. Von Gablenz passou o resto de 1943 até março de 1944 organizando a 404ª Divisão de Reserva em Dresden. Neste mês, von Gablenz foi novamente encarregado de iniciar a organização de mais uma divisão de infantaria, a ser preparada na 27ª onda de criação de tropas[7].

Em setembro de 1944, von Gablenz e seus homens partiram para a Itália. Foram inicialmente empenhados na defesa costeira da região de Gênova, passando depois a guarnecer o setor dos Apeninos ao sul da cidade de Módena, paralelo à Rota 64. Depois deste deslocamento, por meses seguidos os soldados da 232ª teriam os brasileiros entre seus principais adversários. A extensão do front designada para a divisão alemã era bastante longa, abrangindo aproximadamente 70 quilômetros, compreendidos no setor defensivo a cargo do XIV Exército, sob o comando do General der Artillerie Ziegler, que foi ferido em novembro e substituído pelo General Curt Jahn.

[1] Short, N. German Defences in Italy in World War II. Oxford: Osprey, 2006.

[2] Buchner, A. The German Infantry Handbook. West Chester: Schiffer, 1991.

[3] Rigg, B.M. Os soldados judeus de Hitler.

[4] Eccard Freiherr von Gablenz , Werdengang in Kriege von 1939-1945, sem data.

[5] Livreto, Légion des Volontaires Français contre le bolchevisme.

[6] Von Gablenz, Werdengang, op. cit.

[7] Von Gablenz , op. cit.

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